O lugar, uma padaria. Os personagens, um homem, uma mulher e um rapazote.
O homem chega, cansado de um dia de trabalho.
Cansado de viver naquilo que chamam de “Brasil”.
Escolhe os mesmo pães franceses que compra todos os dias a fim de alimentar a família.
Na fila do caixa, para atrás de uma senhora,
muito bem vestida e ornamentada. Rica.
A fila, é grande. O dia foi grande. O cansaço maior ainda.
Chega a vez da senhora. O homem se endireita esperando sua vez.
Neste momento para junto à porta um rapazote, moleque de rua.
A mulher o observa, a atendente o observa.
Ele tem o rosto abatido, as roupas surradas, está despenteado.
Pede a senhora, imprimindo a sua voz o pouco de educação que aprendeu
sabe-se lá onde que, por favor, o compre um pão para que mate a fome.
O homem atrás da senhora observa, a senhora ignora o garoto.
Ele, acostumado a ser ignorado toma coragem e repete a pergunta.
O homem observa...
A mulher respira fundo e responde ao rapaz:
_Não tem vergonha, garoto? Com esta idade poderia estar trabalhando.
E continua:
_Com esta força poderia estar arrumando emprego, mas prefere pedir a trabalhar.
O garoto se recolhe, numa posição de defesa que aprendeu desde cedo.
O homem observa.
A mulher, triunfante, olha ao redor procurando aprovação.
A atendente de caixa lhe retorna um sorriso de apoio.
O homem observa...
A mulher se vira para o homem e, procurando aprovação,lhe pergunta se este concorda.
O homem, cansado, abatido, empobrecido, em fim, brasileiro, a olha e responde.
Ele, para espanto geral dos presentes, realmente responde em alto e bom som:
_Não, não concordo.
A mulher, assustada, se embranquece.
Ele, que já não mais observa, continua:
_A senhora recebeu uma pergunta dicotômica, ou seja, de sim ou não.
_Mas ao invés disto preferiu dar ao garoto algo que ele já tem de sobra.
_Preferiu humilhá-lo na frente de todos.
A mulher, agora aterrorizada, olha em volta com se pedisse intervenção.
O homem continua.
_A senhora diz que ele devia estar trabalhando, mas pergunto?
_Se ele batesse a porta de sua casa e se oferece para cuidar do jardim ou lavar seu carro.
_A senhora lhe daria emprego?
_Tenho certeza absoluta que não. Então, bastasse ter respondido que não daria o pão.
Na padaria, os presentes se dividem entre os que apóiam o homem,
E os que condenam sua atitude.
Em fim, observam.
A senhora, muito bem vestida e ornamentada já não tem a pose de antes.
O homem, paga sua compra. Tira da sacola dois pães e os põe em outra sacola.
Entrega a sacola ao garoto, que agradece quase sem voz.
O homem sai andando, agora menos cansado, menos abatido, menos brasileiro.
O mundo observa...
Kind, Guilherme (19/05/2010)