segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Conto: A Última Noite

Resolvi tirar um tempo e brincar um pouco de escrever, saiu esta coisa pouco convencional abaixo. Espero que meus muitos visitantes diários (provavelmente mamãe e meu amigo imaginário Óseas) leiam e caso hajam criticas ou improváveis elogios que estes me sejam entregues nos comentários.

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A ÚLTIMA NOITE

Entrou mais uma vez por aquela porta. Cansado, molhado e com frio. Estava faminto, sua cabeça doía. Passara as ultimas horas caminhando sem rumo, não queria voltar para casa e ter de enfrentá-la, preferia a morte. Haviam discutido novamente, já nem se lembrava o porque, mas alguma coisa lhe dizia que esta vez havia sido mais séria que as outras. Ela havia lhe dito que aquela seria a última briga. A última noite.

Fechou a porta atrás de si, tirou o casaco molhado e procurou se aquecer. Ela estava ao fundo da sala escura, quase imperceptível na penumbra. Ele a viu e relutou, antes que pudesse se aproximar. Se abraçaram com força, tão forte que mal conseguiam respirar, não se olharam nem disseram uma palavra sequer. Ele mantinha os olhos cerrados e preferia recorrer à lembrança de olhares antigos, olhares que traziam consigo gozos e sorrisos.

Ficaram naquela posição por um tempo que parecia eterno, se sentia seguro pela primeira vez em muito tempo, já não sentia frio, já não sentia fome. Ele a amava, nunca duvidara disto, e tinha certeza de que ela o amava. Era preciso esforço para se lembrar por que brigavam tanto, por que se machucavam tanto. Roçava as mãos em seus cabelos.

Com os olhos ainda cerrados procurava se confortar naquele abraço de reconciliação. Ela não dizia uma só palavra, não fazia um ruído sequer. Ele queria lhe olhar o rosto e se desculpar, dizer o quanto a amava, mas não conseguia. Simplesmente não conseguia. A impressão era de que um simples abrir de olhos poria tudo a perder.

Começou a se lembrar da noite anterior, da discussão que tiveram, jurara a ela que já não a amava, estava mentido. Ela se enfurecera, lhe atirara insultos e peças de decoração, uma delas lhe acertou a face e um pouco de sangue escorreu por seus lábios, ela se assustara e veio em sua direção para abraça-lo e desculpar-se, ele perdeu o controle e lhe bateu no rosto. Ela caiu, desnorteada e chorou.

Não se lembrava do que aconteceu em seguida, a dor de cabeça incomodava como nunca.

Haviam se conhecido há alguns anos, sem poesia e sem uma música da qual sempre se lembrariam. Se apresentaram, a principio alguma conversa e sexo sem compromisso. Se beijaram, se amaram, para só depois se conhecerem. Ela o achou pedante, forçava palavras cultas e assuntos políticos. Enfim, um chato. Ele a viu apenas como uma transa de uma só vez. Desinteressante. Fútil até. E o pior, fumava. Aquele gosto de cigarro barato ficaria na boca e na memória pelo resto de sua vida. Mas o que realmente o irritou foi o fato dela não conhecer o Almodovar. Como alguém ignorava Almodovar?

Não combinavam em nada. Ele, um Eduardo. Politizado, revolucionário. Ela, uma Mônica. Imatura, aventureira e inconsequente. Ambos pegos em uma atração desordenada sem hora e lugar para ser saciada.

Mas a monotonia de suas vidas não os encorajava a buscar algo mais, depois dos trinta já haviam desistido de encontrar o grande amor. Um grande gozo já lhes era suficiente de quando em vez. Ficaram juntos sem grandes expectativas e após algum tempo sequer podiam definir a relação que possuíam. Era algo insosso visto de dentro e desconcertante visto de fora. Os amigos já não podiam com as brigas tão inexplicáveis e tão públicas. Pareciam se odiar profundamente ainda que fossem inseparáveis. Se completavam ao mesmo tempo em que pareciam se desconstruir.

Voltou a si, apertou-lhe ainda mais o nó na garganta ao se certificar que ainda estava na mesma sala, abraçado a ela. Desejou que fosse um sonho. Queria acordar e nunca tê-la conhecido. Que não houvesse sala, apartamento...cigarros. Cigarros? Estava tão próximo a ela e ainda assim não podia sentir o cheiro inconfundível em seus cabelos. Aquele cheiro de cigarro barato.

E o que era um leve temor tornou-se um súbito horror que lhe espumava o sangue. As lembranças das ultimas horas lhe bombardeavam impiedosamente, a coragem que lhe faltava para abrir os olhos se converteu em uma necessidade claustrofóbica de se certificar do que agora parecia óbvio.

Enquanto abria os olhos sua visão se ofuscava pelas lágrimas que há muito continha. Uma delas lhe escorreu rosto abaixo até parar nos lábios, lhe conferindo um gosto salubre e amargo. A medida em que sua vista clareava, clareavam também as ideias e percebeu finalmente que ela em momento algum estivera em seus braços. Estava ao chão, próxima a TV, que há muito não funcionava, rodeada por um vermelho viscoso.

Como uma torrente de força descomunal tudo ficou claro, e se lembrou da briga, das ofensas, das agressões. Se lembrou de perder o controle. Mas, principalmente, se lembrou do que ela havia lhe dito na noite passada. Aquela haveria de ser a última.

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7 comentários:

  1. Sabe, quando leio seus contos infelizmente, mesmo sendo uma "Dra" não consigo encontrar palavras para definir tamanha admiração e encantamento que tenho por eles.Mas apenas uma coisa tenho certeza, eles ainda estarão na lista dos Best Sellers. Simplesmente magníficos.

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  2. Hehehe, valeu lindona. Não penso tão alto assim mas me divirto escrevendo essas bobagens, hehehe...bjão.

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  3. Aí, Guilherme, tudo bem?

    Olha só. O ritmo no início está muito rápido (períodos curtos colocados um após o outro num mesmo parágrafo). Era essa sua inteção? Não ficou bom. Depois da metade, a narrativa exige que o ritmo aumente e aí os períodos curtos tem vez e funcionam. O encadeamento dos fatos está legal.

    "Se apresentaram, a principio alguma conversa e sexo sem compromisso. Se beijaram, se amaram, para só depois se conhecerem"... Cara, olha só: você dizer que tiveram sexo sem compromisso, meio que veda a você dizer que "se beijaram, se amaram..." pois implicitamente remetem a fruição de sentimento genuíno, o que se opõe a "sexo sem compromisso", em grande parte. Prefira tirar o "...e sexo sem compromisso" e veja como fica a frase.

    "Cigarros baratos" não funciona. O que é cheiro de cigarro barato? Não é algo usual ou intuitivo como "bebida barata" ou "charutos caros". Prefira apenas "cigarros", que já dá o tom que você desejou.

    No final o ritmo deveria amainar também, mas com um certo "embromation". Dê uma melhorada nas imagens, prefira conectar as frases com outras frases ao invés de usar a pontuação. use metáforas em profusão, Uma certa confusão ajuda, refletindo o estado mental do próprio narrador-personagem.

    Espero ter ajudado.

    Abraços.

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  4. Valeu Albarus, com certeza ajudou bastante, quase sempre é melhor uma critica que um elogio e sua critica foi pertinente, concordo com elas mas, talvez não utilize neste texto, prefiro mantê-lo assim, com seus defeitos (que reconheço) e limitações, mantê-lo genuino, enfim. Mas se eu arriscar outro vou levar suas dicas em conta. Grande abraço.

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  5. Ah, e sobre os cigarros baratos, há distinção sim. O cheiro de um Marlboro em comparação com um Mistral ou Bill tem muiiiiiiita diferença. eheheheheh, abraço.

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  6. Cada dia mais me surpreendo com as suas leituras. Maravilhosas!!!

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